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31 de dezembro de 2020Ativista do sistema de “green finance” no País, o executivo brasileiro José Maria Pugas Filho, fundador e CEO da Agripa Innovation Labs – empresa focada em inovação para o agronegócio –, é uma das referências no mercado nacional e internacional em torno das propostas e alternativas para as chamadas “finanças verdes” ou bioeconomia.
Especialista em modelagem de cenários futuros e reposicionamento estratégico de negócios, com mais de 15 anos de experiência em reestruturação de empresas tradicionais em setores de rápida transformação, Pugas também soma ao seu currículo, além do agro, uma forte atuação em governos e negócios digitais.
Membro de conselhos de diversas empresas, com foco em adequação das estratégias corporativas às novas tendências comportamentais, políticas e tecnológicas, ele se considera um “empreendedor cívico” e articulador social, levando em conta sua atuação em projetos de empreendedorismo da base da pirâmide e ruptura do ciclo de pobreza, em comunidades vulneráveis do Rio de Janeiro.
Em entrevista exclusiva à equipe de comunicação da fintech OSeuGestor, Pugas conta um pouco sobre sua trajetória no agronegócio, destaca o atual cenário desse setor sob o ponto de vista do financiamento e do próprio mercado, entre outros pontos, além de analisar a inclusão econômica de micro, pequenas e médias empresas (MPEs). Confira!
OSeuGestor: Você tem trabalhado, incansavelmente, pela adoção do “green finance” (economia verde) no Brasil, sendo uma das referências no mercado nacional e internacional. Como foi sua trajetória nessa direção? O que despertou seu interesse? Houve algum evento que conduziu seu foco para essa transformação?
José Pugas: Sempre me considerei um investidor ativista, desde meus primeiros empreendimentos. Nunca concordei com a máxima friedmaniana [expressão oriunda de Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia] de que a responsabilidade social das empresas é maximizar seus lucros.
Prefiro pensar que a premissa de uma empresa responsável é a maximização de suas externalidades positivas – inclusive, as econômicas –, nas quais estão os dividendos para os acionistas. No entanto, o que era uma posição pessoal e isolada de alguns empresários e investidores tem se tornado uma corrente majoritária.
Temos observado no agronegócio, setor em que construí minha carreira, uma insustentabilidade econômica do modelo de crédito rural tradicional, nos últimos seis anos. Ao mesmo tempo, fenômenos paralelos de maior preocupação sobre as boas práticas produtivas, compliance socioambiental e maior ativismo entre acionistas e investidores têm criado uma tempestade perfeita no setor em toda sua estrutura.
A concomitância desses dois cenários – de transição do modelo de acesso a crédito e de pressão socioambiental sobre o agronegócio – demandou de nós, investidores e gestores, a busca por um novo modelo de pensar o financiamento e o mercado. As “finanças verdes”, entre todas as respostas existentes no mercado, atualmente, foram aquelas que mais aderiram a essas necessidades.
Pessoalmente, tenho criado “abordagens verdes” nas modelagens de negócio, há bastante tempo, mas foi participando do grupo original, responsável pela estruturação do SAFF (Sustainable Agriculture Finance Facility) – um fundo de crédito voltado para a agricultura de baixo carbono –, que percebi todo o poder de transformação das “finanças verdes” e decidi fazer desse tema meu foco.
OSG: Como acredita que uma transição para a economia verde ou bioeconomia pode inserir o Brasil, suas empresas e seu governo em um lugar de destaque no mundo?
José Pugas: Independentemente das nossas idades, o credo que o Brasil é o país do futuro virou um clichê para as últimas cinco gerações de brasileiros. No entanto, pela primeira vez, podemos sentir que o Brasil pode e deve ser protagonista no salto em direção à economia verde.
Temos todo o potencial para sermos a primeira potência agroambiental do planeta e o centro da transformação econômica, pela nossa capacidade única de gerar externalidades positivas, tanto sociais como ambientais. Esse é um dos únicos cenários em que o legado social negativo e a pressão da velha economia sobre a riqueza ambiental, única do território brasileiro, nos favorecem, pois é na superação desse quadro desafiador que podemos compor os pilares do sistema econômico verde nacional.
Se aproveitaremos ou não esse “cavalo selado”, para o protagonismo desse novo ciclo econômico, é um exercício que meu pessimismo, com o tragicômico histórico brasileiro de perda de oportunidades, se conflita com meu prudente otimismo que, talvez, dessa vez quebraremos essa nossa sina.
Para alcançarmos esse protagonismo, precisaremos principalmente de compromisso com os fatos científicos, a transparência e a ousadia responsável, pois de resto pouco ou nada nos falta.
OSG: As pequenas e médias empresas brasileiras (PMEs) podem se estruturar e participar da economia verde em geral ou você considera ser uma premissa somente aplicável a grandes grupos? Pode nos dar um exemplo?
José Pugas: Uma das principais premissas da economia verde é a inclusão econômica. As PMEs têm sido líderes no processo econômico inclusivo, no Brasil e no mundo, e não pode ser diferente nesse novo ciclo econômico verde. A economia verde se baseia na tese de promover um desenvolvimento econômico sustentável, não como utopia, mas como parte integrante do modelo de negócio.
Para tanto, é muito mais simples reprogramarmos as PMEs para que elas consigam estabelecer, em suas práticas e estratégias, os elementos de sustentabilidade do que os grandes grupos.
As PMEs são campeãs invisíveis da economia desde sempre e temos de aproveitar essa ousadia responsável dos pequenos empresários, startupers e inovadores, para acelerarmos a transição verde.
É só vermos o setor financeiro: fintechs, pequenas e médias securitizadoras, asset managers e iniciativas locais de crédito têm conseguido alcances e escalas muito maiores do que iniciativas de grandes bancos e grupos financeiros.
OSG: Se na economia tradicional o controle e o cuidado com o fluxo de caixa, geralmente, são mais negligenciados nas empresas em geral, conforme sua observação e experiência, como a gestão de fluxo de caixa tem sido feita em empresas que colocam a sustentabilidade e a baixa pegada de carbono em sua cultura e ações?
José Pugas: Independentemente do setor, tamanho da empresa ou a “cor da economia” a qual uma empresa pertença, fluxo de caixa é o resultado de disciplina. Empresas que se propõem a serem de economia verde lidam com muito mais escrutínio público, o que demanda maior transparência em seus números e indicadores, além de atenção a processos, para que tenham o máximo de eficiência operacional em suas gerações de externalidades. Inevitavelmente, é criada uma cultura de exigência e de atenção aos detalhes.
Isso tem um reflexo direto na gestão de caixa e na contabilidade. Empresa verdes precisam ser sustentáveis economicamente. É isso que o mercado busca e será no fluxo de caixa que ele encontrará evidências dessa saúde econômica.
OSG: Em todos seus empreendimentos, quais são os valores inegociáveis e seus objetivos de longo prazo?
José Pugas: São a diversidade de pensamento e a responsabilidade com as consequências de seus atos. Uma cultura monolítica é um convite à negligência e ao corporativismo, cujas consequências de atos são desconsideradas, a partir de um discurso consensual, que isenta o grupo de qualquer responsabilidade.
Esse comportamento em um empreendimento, que se vê inevitavelmente integrado ao seu ecossistema, é um desvio imperdoável. Meus objetivos pessoas têm sido os mesmos desde sempre: estar a serviço da transformação positiva da sociedade, para todas as gerações que vieram, as que estão e as que virão.
A longo prazo, pretendo continuar servindo. Não me vejo fora desse propósito. Como esse propósito se manifestará em empresas, investimentos ou novas empreitadas é uma resposta guiada pela inquietação inata de encontrar respostas, por vezes, desagradáveis para problemas quase sempre evitados.
OSG: Qual o papel de sistemas na auditoria e controle em seus empreendimentos?
José Pugas: A autodeclaração não é mais suficiente, há algum tempo, e muito menos quando o assunto é ESG (sigla para Environmental, Social and Governance – ambiental, social e governança, em português). Precisamos comprovar aquilo que falamos para o mercado e para nossos colaboradores, além de mensurarmos, com total independência, nossos indicadores.
Esses objetivos somente são alcançados por meio de sistemas sólidos de auditoria e controle. A tecnologia nos permite ter excelentes processos de verificação e transparência a baixo custo e com pouca burocracia, acabando com aquele mito que auditoria e controle são para empresas grandes ou com capital aberto.
Não consigo enxergar um negócio prosperando pelos seus valores e propósitos que não tenham uma auditoria sólida, para poder defender seus resultados e ações com total imparcialidade.
OSG: Qual futuro que você enxerga para o conjunto de transformação digital: open finance, economia verde e sustentabilidade no Brasil e no mundo?
José Pugas: Vejo um futuro compulsório. Não estar alinhado com essas tendências não é uma questão de não ser tão competitivo, é uma questão de existência. Ou você se encaixa ou está fora.